A proposta de aposentadoria da Vanguard: Dynamic spending strategy
Nessa jornada de descobrir as melhores estratégias de retirada na aposentadoria, mais de uma pessoa mencionou a estratégia da Vanguard de gastos dinâmicos. Essa metodologia começou em 2014 com a equipe de Research da Vanguard no artigo A More Dynamic Approach to Retirement Spending e foi consolidada no artigo From Assets to Income: Vanguard’s Advisor’s Alpha™ Guide to Retirement Income. Você perceberá que a estratégia se assemelha bastante à estratégia mencionada no meu último post.
Em um post anterior, falei sobre o extremo que existe entre duas estratégias: a conhecida regra dos 4%, em que você retira um valor fixo no início (4% do patrimônio) e depois ajusta esse valor de acordo com a inflação nos próximos anos; e a estratégia em que você retira um percentual fixo do patrimônio, garantindo que ele nunca se esgote. No primeiro caso, ao ignorar o mercado, você corre o risco de o seu portfólio não durar até o final da sua vida. No segundo, o seu consumo vai variar de acordo com o mercado, exigindo ajustes severos na sua retirada.
A proposta da Vanguard é conciliar essas duas estratégias ao estabelecer uma flexibilização na retirada. Dessa forma, a metodologia busca equilibrar o desempenho do mercado, a estabilidade de gastos e a viabilidade do portfólio.
Essa taxa de flexibilidade de retirada é então definida e segue a seguinte regra:
Imagine que o teto definido seja de 5% (aumento) e o piso de –2,5% (redução). Para cada ano subsequente, a porcentagem de retirada do portfólio é recalculada com base no saldo do portfólio ao final do ano anterior. Esse valor é comparado aos valores de gastos de teto e piso, que são ajustados pela inflação com base na retirada do ano anterior.
Os resultados são então analisados: se o valor de gasto recém-calculado exceder o teto, ele será limitado ao valor do teto; se o gasto calculado ficar abaixo do piso, ele será ajustado para o valor do piso. Um exemplo de cálculo é apresentado no artigo:
Experimentos
Utilizando 10.000 simulações com o VCMM (um modelo da Vanguard que é, basicamente, um Monte Carlo), com um portfólio composto por 50% em ações (60% nos EUA e 40% fora dos EUA) e 50% em títulos (70% em títulos dos EUA e 30% em títulos fora dos EUA), uma taxa de retirada de 5.5% e um horizonte de 35 anos temos os seguintes resultados:
Como a Figura 3 ilustra, embora a estratégia de porcentagem do portfólio seja projetada para nunca se esgotar (Figura 3a), ela apresenta uma realidade difícil e, em muitos casos, irrealista — extrema volatilidade nos gastos reais anuais (Figura 3d). Ao implementar a estratégia de gastos dinâmicos da Vanguard, um consultor ou investidor pode capturar muitos dos benefícios da abordagem de porcentagem do portfólio e, ao mesmo tempo, reduzir a variação nos gastos anuais, o que é fundamental para os investidores.
Foi examinado as compensações mencionadas anteriormente utilizando uma estrutura multiplicadora (ou seja, um múltiplo do saldo inicial ou valores de gastos ao longo de 35 anos para cada estratégia de gastos [Figuras 3c e 3d]). Por exemplo, a estratégia de dólar mais inflação produziu saldos finais reais variando de zero no quinto percentil a 1,3 vezes o valor inicial no 95º percentil (Figura 3c). Na prática, isso significa que um investidor com um saldo inicial de portfólio de US$ 1 milhão e uma taxa de retirada de 5,5% terminaria com um saldo de conta entre US$ 0 e US$ 1,3 milhão em 95% dos cenários. Como mostra a Figura 3c, as outras duas abordagens produziram resultados em uma faixa muito mais estreita.
No entanto, a compensação mais importante ao discutir um método de retirada é a volatilidade nos gastos.
A análise mostra que a estratégia de dólar mais inflação (rega dos 4%) geralmente produz um multiplicador de gastos anual real de 1,0, a menos que o portfólio se esgote, caso em que cai para zero (Figura 3d). O potencial de ambos os ativos e a renda caírem para zero torna a regra de gastos de 4%, baseada em dólar mais inflação, irrealista e imprudente. Por outro lado, a estratégia de porcentagem do portfólio produz multiplicadores de gastos anuais reais variando de 0,5 a 1,2 nos percentis 5 e 95, com uma média de 0,8. Já a estratégia de gastos dinâmicos apresenta os mesmos múltiplos, variando de 0,5 a 1,2 nos percentis 5 e 95, também com média de 0,8.
Se você observar com atenção, verá que as despesas dinâmicas apresentam uma maior volatilidade de riqueza terminal em comparação à estratégia de porcentagem do portfólio (Figura 3c). Contudo, ambas possuem a mesma variação quando se trata de gastos.
Então, por que optar pela estratégia da Vanguard? Por causa da suavidade nos gastos.
Na dinâmica de flexibilidade, você calcula o teto e o piso em relação à retirada do ano anterior. Isso permite saber, com um ano de antecedência, qual será o seu consumo mínimo caso o mercado tenha um desempenho ruim. Assim, mesmo que ao longo do tempo seus gastos sejam reduzidos a 50% do inicial, você terá tempo para se adaptar. Já na estratégia de porcentagem do portfólio, essa redução pode ocorrer de um ano para o outro, sem aviso prévio.
Portanto, ao seguir essa abordagem de retiradas flexíveis, você captura grande parte dos benefícios de sustentabilidade da estratégia de porcentagem do portfólio, mas sem a volatilidade significativa nos gastos anuais.
Adaptando Teto e Piso
Ao utilizar essa técnica, é fundamental considerar que os resultados são significativamente afetados pela escolha das porcentagens de teto e piso.
Quanto maior for a flexibilidade dos clientes em relação ao piso — ou seja, quanto mais conseguirem reduzir os gastos quando os mercados tiverem um desempenho ruim —, maior será sua taxa de sucesso.
Em outras palavras, isso reduz a probabilidade de os clientes ficarem sem dinheiro ou serem forçados a reduzir drasticamente os gastos antes do final de seu horizonte de planejamento.
Vejamos na figura a seguir:
A figura mostra as taxas de retirada do portfólio tanto para uma estratégia de teto/piso de 0%/0% quanto para uma estratégia de teto/piso de 5,0%/–2,5%, considerando diferentes horizontes temporais e uma alocação de 50% em ações e 50% em títulos. Essa análise assume uma probabilidade de 85% de que o portfólio não se esgote.
Como ilustrado na figura, investidores que conseguem incorporar flexibilidade em suas necessidades anuais de gastos são capazes de definir taxas iniciais de retirada mais altas. Isso pode colocá-los em uma posição melhor para alcançar seus objetivos financeiros.
Já a figura abaixo oferece uma perspectiva diferente da análise, destacando ainda mais o impacto da seleção do piso nas taxas iniciais de retirada do portfólio e nas taxas de sucesso ao longo de diferentes horizontes de tempo.
Como exemplo, um investidor com um horizonte de tempo de 30 anos que prefere não reduzir os gastos em anos em que o mercado está em baixa (piso de 0%) tem apenas 21% de chance de que seu dinheiro dure os 30 anos inteiros se optar por uma taxa de retirada inicial de 6%.
Se, no entanto, o investidor estiver disposto a reduzir seus gastos reais ano a ano em 2,5% durante anos de mercado em baixa, a probabilidade de que seu dinheiro dure os 30 anos aumenta significativamente para 83%. E, se puder cortar os gastos em 5%, sua taxa de sucesso sobe ainda mais, alcançando 99%.
** Outros assuntos relevantes são discutidos no artigo, mas estão fora do escopo desta análise.
Opinião e conclusões
As regras de retirada com base em metas de gastos mais conhecidas (como a regra dos 4% e a porcentagem do portfólio) apresentam problemas conhecidos. A adição da flexibilidade nas retiradas traz para a equação a variabilidade do mercado. Afinal, é inviável sustentar retiradas fixas utilizando um portfólio volátil. É necessário incorporar algum nível de volatilidade, como destacou Sharpe no artigo The 4% Rule - At What Price?.
Este é um ótimo artigo, que apresenta uma abordagem aparentemente eficaz para retiradas, mas alguns pontos merecem atenção:
O viés de dados fáceis
A definição deste viés é:
Um fenômeno comum em análises, decisões ou modelos preditivos, onde damos preferência a informações que são mais fáceis de coletar, medir ou interpretar, em vez de buscar dados mais relevantes, mas que podem ser difíceis de obter ou compreender. Isso pode levar a análises enviesadas, conclusões distorcidas e decisões subótimas.
A alocação base dos experimentos consiste em 50% ações (60% nos EUA e 40% fora dos EUA) e 50% títulos (70% títulos dos EUA e 30% títulos fora dos EUA). Apesar de incluir ações estrangeiras, reduzindo o viés, a alocação ainda é amplamente dominada pelo mercado americano (65%) de forma contínua. Um índice global variaria a participação dos países em sua composição.
Embora o artigo mostre que a regra simples de 4% teria 97% de chance de sucesso em períodos de 30 anos, outros estudos, como este artigo que analisou 38 países desenvolvidos desde 1890, indicam que uma taxa de retirada de 2,7% teria uma chance de 95% de sucesso.
Para o investidor brasileiro, os efeitos do câmbio, dos ativos nacionais e até mesmo dos produtos disponíveis aqui (INSS, Renda+, previdência privada) também precisam ser considerados.
Asset Allocation
O portfólio base utilizado é o clássico 60/40 (60% ações e 40% títulos). No apêndice, vemos outras variações das mesmas classes de ativos, especificamente ações globais e títulos intermediários. Mas e outras classes e subclasses?
O que aconteceria se utilizássemos apenas títulos de longo prazo? Ou se incluíssemos ações e títulos brasileiros?
E se quiséssemos diversificar ainda mais, incluindo imóveis, commodities, ouro, criptoativos, private equity ou títulos corporativos?
Há uma série de experimentos que poderiam ser realizados para aumentar a diversificação, diminuindo o risco do portfólio e aumentando sua consistência nos resultados.
Otimismo da variabilidade
Na tabela de taxas de sucesso, observamos que, em períodos de 30 anos, a estratégia de retirada de 4% com um piso de 7,5% apresenta uma taxa de 99% de sucesso. Um aumento na retirada para 8% ainda mostra 97% de sucesso!
Não parece otimista demais acreditar que seria possível reduzir quase pela metade o tempo necessário para se aposentar, mantendo uma probabilidade quase igual de sucesso?
Se você definiu um plano de aposentadoria para 30 anos com retiradas de 4%, já sabe quanto precisa acumular para atingir essa meta. Entretanto, se a taxa de retirada subir para 8%, o valor necessário para se aposentar cai significativamente, reduzindo consideravelmente o tempo de acumulação. Parece vantajoso, mas...
Qual é o preço real dessa flexibilidade de 7,5%? Quão rápido suas retiradas poderiam cair para 50% do valor original (ajustado pela inflação)? Qual é o valor mínimo de consumo fixo que precisa ser mantido? Será que essa estratégia com um piso de 7,5% não comprometeria esse consumo?
Para essas perguntas, considerar a proporção de gastos fixos e discricionários que você terá na aposentadoria pode fazer bastante sentido.
Um simulador seria uma excelente ferramenta para responder essas questões.